quarta-feira, 1 de abril de 2009

A verdade, somente a verdade.

Aproveitando a onda de análise de filmes, vou falar um pouco de Estamira, um documentário de 2004 de Marcos Prado, que ganhou muitos prêmios nacionais e internacionais. Tudo começou quando num domingo chuvoso de 1994 Marcos decidiu descobrir para onde ia o lixo que ele produzia. Ele foi parar no lixão de Gramacho, no município de Duque de Caxias no Rio de Janeiro. Para assistir este documentário eu recomendo 3 copos de café e um espírito preparado para ver poesia no lixo, belelzano horrendo. Não é um documentário comercial, logo, é um pouco mais subjetivo e exige um pouco do telespectador, mas vale a pena!

Enfim, Marcos passou a visitar o lixão com frequencia e registrar um pouco da realidade daqueles que tiram seu sustento, em todos os sentidos, daquilo que rejeitamos, e abordar um pouco mais a questão do lixo. Esse projeto durou mais ou menos10 anos, e ele pode acompanhar o que aconteceu com o lixão de Gramacho, e com aquelas 15 mil pessoas que passavam por ali, ou até mesmo moravam ali.

Uma daqueles pessoas era Estamira, uma senhora nos seus 60 e poucos anos que disse ter a missão de revelar a verdade ao mundo. Não preciso dizer que a mulher tem um parafuso a menos, mas, assim que comecei a assistir o documentário me perguntei "Será que Estamira enlouqueceu e foi para o lixo, ou foi lixo que enlouqueceu Estamira?". Antes de falar da loucura dela, vamos falar um pouco de sua lucidez:

Estamira tem a personalidade forte e opiniões mais fortes ainda. Sabiamente ela diz que no lixão há duas coisas "o imprestável" e "o engano". O imprestável, bom, é aquilo que nao serve pra nada mesmo, mas o engano, são coisas que ainda poderiam ser usadas, também conhecido como material reciclável, e adivinha qual das duas coisas tinha em enorme quantidade no lixão? Pois justamente, das 8 toneladas de lixo que entravam diariamente em Gramacho, a maioria era "engano". E sabe o que acontece com esse engano? Viram partes da casa de Estamira, ou se incorporam ao chorume borbulhante que escorrria para a Baía de Guanabara. Felizmente o lixão teve um final feliz, foi tranformado em aterro satinário, ou seja, o lixo agora é tratado e o chorume não escorre mais em direção a baía de Guanabara e o mangue tão judiado vem se recuperando aos poucos.

Agora, voltemos á pergunta: "Será que Estamira enlouqueceu e foi para o lixo, ou foi lixo que enlouqueceu Estamira?". Eatamira, mãe de 3 filhos, foi casada com um Italiano, que a traiu com qualquer coisa que fizesse "tchbun" na piscina, quando ela cansou disso, saiu de casa com seus filhos e começou sua vida de andarilha. Ela trabalhou por um tempo em várias empresas, mas, chegava tarde da noite em casa, e, em duas ocasiões ela foi estuprada. Isso fez com que a protagonista perdesse sua fé em Deus, e junto com sua fé perdeu a lucidez, e com a lucidez perdida, achou Gramacho.

Não foi o lixo que enlouqueceu Estamira, na verdade, o lixo a salvou! A sociedade destruiu Estamira e ela fez de Gramacho seu lugar seguro, seu refúgio. Ela e outros 15 mil, ex presidiários, ex domésticas e desempregados, fizeram do símbolo de rejeição de nossa sociedade, seu lar! Se nós não oferecemos segurança e conforto para eles, o que para nós não presta, o que para nós deve ser eliminado, para eles e símbolo de conforto e no caso de Estamira de paz! Eles se tornam assim, parte do lixão, se tornam lixo social! Assim como "O Cortiço" é um órgão vivo no livro de Aluísio de Azevedo e transforma aqueles que entram em contato com a sua atmosfera, o lixão de Gramacho se torna uma mãe para aqueles que rejeitados precisam de um abrigo. O lixão de Gramacho tranforma todas as dores de Estamira em uma missão, a missão de falar a verdade, somente a verdade.

E que verdade é essa? A de que devemos nos preocupar mais com os impactos que nossas ações tem no meio ambiente, e por meio ambiente eu não digo somente o lixões da vida, ou o desmatamento da amazônia, por meio ambiente eu digo também as Estamiras que estão espalhadas pelo Brasil, sendo diretamente afetadas por nossas ações egoístas e inconsequentes. Está mais do que na hora de pararmos de gerar "enganos" nos aterros sanitários de nossa cidade, está mais do que na hora de nos engajarmos na criação de uma solução para que as Estamiras possam junto consoco tranformar a nossa sociedade em algo melhor e sustentável.

4 comentários:

  1. Já ouvi falar desse documentarios umas 3 ou 4 vezes esse ano, a Di q trabalha comigo é quem me falou.

    Mas vc sabe, né?

    documentarios, só se for no estilo dos irmãos Dardenne. uAHUhauHAUha ai como eu to ficando pedante...

    beijos loira!

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  2. kkk lógico né??? vindo de vc super aculturada undergrouns rs. Não acho q seria muito seu estilo, vc tem mais cara de Michael Moore ou musical Francês alternativo, tipo aquele q a gente viu no HSBC

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  3. Audrey, consegui achar aquele email em que eu comentava com um amigo sobre Estamira, em 02/12/06. Viajem total (é engraçado ler o que agente escrevia anos atrás):

    "Então cara, mesmo em suas crises esquizofrênicas, ou com seus "controles remotos da coluna", Estamira é uma paisagem para ser contemplada, em sua totalidade. Contemplar como ela chegou a esse estado "abstrato".

    O senso comum diz que a pessoa é fruto do seu meio. Mas o documentário, do jeito que foi feito, apresenta um aterro sanitário como extensão da "criação" da própria Estamira... Como se ela fosse a deusa daquele universo particular, e nós, meros infiéis.

    Em alguns momentos fiquei MUITO chocado com o comportamento dela, quando, um singelo exemplo, ela blasfemava contra Deus por sua filha ter mencionado algum dizer evangélico, mostrando seus órgãos genitais para seu neto "VOCÊ SAIU DAQUI!! VOCÊ SAIU DAQUI!!"

    o__O'

    MAS, para além da minha moral cristã-taoísta-niilista-caipira, não há uma frase sem sentido, em todo filme. Tudo é abstrado, como ela disse, mas tudo é igualmente importante para se entender o papel que não só a Estamira mas toda a sociedade desempenha dentro daquilo que agente chama de realidade.

    É meio que um jogo entre a (nossa) realidade “verdadeira” e a verdade que salta da “pseudo-realidade” da Estamira.

    Fico imaginando o que será da Estamira quando ela ver a si própria na tela do cinema. Será que ela vai rir, chorar? Perceber que foi caricaturizada pela câmera? Será que ela vai se achar bonita ou feia? Será que ela vai entender o que ela mesmo diz, ou será que ela vai achar a si mesmo insana? Será que ela vai mudar alguma coisa depois disso?

    Fico imaginando o que será da Sociedade quando ela ver a si própria na tela do cinema. Será que ela vai rir, chorar? Perceber que foi caricaturizada pela câmera? Será que ela vai se achar bonita ou feia? Será que ela vai entender o que ela mesmo diz, ou será que ela vai achar a si mesmo insana? Será que ela vai mudar alguma coisa depois disso?

    Daí vem aquilo que você falou, que dispensa emendas e comentários, por ser a mais pura verdade:

    “ultimamente, está em voga nos anestesiar de tudo. Ser feliz e saltitante é obrigatório. Se está triste, já vem alguém querendo te dar uma sacudidela para "por um sorriso no rosto". Nunca procurar a causa da tristeza em você mesmo e conviver um pouco com ela (aí sim sairemos fortalecidos, crescidos). Se está autenticamente feliz, eufórico, julgam que tomou droga ou está bêbado. Se perdeu alguém querido e está de luto, sofrendo, tome sedativos. Parece que ficar triste é proibido”

    (...)

    Creio que a maior parte dos nossos amigos/as não se importam com as pessoas como elas são por si mesmas(Isto seria solidariedade). As pessoas não se importam em como aquele ser que não é ele próprio pensa por si mesmo, como pessoa autônoma.

    Na verdade, as pessoas só se importam com o que aquela pessoa “diferente” interfere nelas mesmas. Ou seja: tentam alegrar aquele colega que está triste, não para que fique "melhor", mas para que ele próprio, o cara do “ombro-amigo”, não se sinta prejudicado pelos sentimentos alheios.

    Eis um exemplo prático e simples: a saudade.

    A saudade é um sentimento individual, unilateral que temos de uma pessoa. Na verdade a pessoa que não vemos por muito tempo continua EXISTINDO por si mesma, com ou sem saudade. Mas agente não pensa nisso. Agente simplesmente não consegue imaginar as pessoas vivendo por si próprias, sem a nossa interferência. Depois, quando as encontramos, dizemos "a quanto tempo! que saudade! você SUMIU, hein?"
    (...)

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  4. È vc foi bem mais abstrato na análise que eu, mas vc sabe como eu sou né? Pés no chão sempre. Mas gostei do que vc falou da tristesa, é um sentimento, todo mundo tem seu tempo de luto, mas não acho que querer animar alguém que está triste seja uma proibição do sentimento, ou uma forma egoísta de ajuda. Todo mundo se sente triste de vez em quando, e isso não é legal, então, quando vemos alguém triste queremos dar um jeito nisso porque sabemos o quão ruim é este sentimento, cada um na sua escala! Discordo de vc que é de forma egoísta que as pessoas tentam se animar,eu acredito na compaixão e na solidariedade! Mesmo porque sou assim, alto astral e quero ver todo mundo bem também!E no que depender de mim, vai ser assim, não importa a barra, sou tua amiga vou estar do teu lado! Quer chorar? Chora aqui no ombro, quer desabafar? pode me ligar 3h da madruga que atendo o telefone no maior bom humor!

    Mas enfim, isso daria outro post e nao sei o q isso tema ver com a Estamira, que apesar de tudo, apesar da loucura e das tragédias, achou sua forma de lidar com a tristesa e talvez até mesmo a sua felicidade!

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