terça-feira, 20 de julho de 2010

Sobre o Medo

Ela sempre teve medo.Quando era criança, ela nao corria por medo de cair, ela andava calmamente,  um pé após o outro, e sempre olhava para os dois lados antes de atavessar, estava atenta a tudo, nao brincava de pega-pega na escola porque era arriscado, todos pareciam se divertir, mas ela nao arriscaria correr, não valia a pena ganhar uma cicatriz apenas para se divertir. Andando calmamente ela nao caia, ela nao se machucava.

Mais tarde, ela teve medo de ficar sozinha em casa, sempre ouvia barulhos estranhos vindos da cozinha, e apesar de intrigantes, apesar de curiosos, ela nao arriscava olhar, podia ser qualquer coisa, podia ser um monstro, um louco, um rato, ou apenas o vento, o gato do vizinho passeando. Ela nao queria saber, nao queria arriscar descobrir se aqueles barulhos eram algo horripilante ou se nao eram nada. Por isso, sempre que seus pais viajavam ela dormia na casa da vó pra nao ficar sozinha, pra nao ouvir nada que a fizesse sentir medo.

Já adolescente, ela tinha medo, muito medo de romances, sim, romances. Ela tinha que lê-los e analizá-los em provas, em discussões na sala de aula, e ela sempre ficou atonita com os romances. Nunca entendeu como as personagens podiam sofrem tanto, se arriscar tanto por algo que nao se pode ver, por algo tão subjetivo e sem medida que sao os sentimentos. Ela tinha medo, muito medo de viver uma história daquelas. Muito medo de perder o rumo e acabar tomando um veneno por acidente por causa de algo abstrato, muito medo de matar por amor como fez Simão, muito medo de ter q arrancar os olhos como fez Édipo, muito medo de perder-se como fez Psique, muito medo de se sacrificar como fez a rainha Margot, medo de enlouquecer como enlouqueceu Medéia.

Esse era um campo muito perigoso pra ela, era algo inconcebível,se apaixonar era um sentimento proibido, que acabaria com tudo, com toda a razão com toda a lógica. A Literatura provava isso, os relacionamentos ao redor provavam isso, que algo q começou empolgante, interessante e intenso se torna desesperador, angustiante e dolorido.

Mas o que ela mais temeu na vida foi perder.O problema nao é arriscar, o problema é perder, de ler nos livros ela idealizou quer a perda é algo muito dolorido, que nao há nada pior do que ter e perder.Melhor nao ter nunca, melhor nao arriscar nunca. E nao arriscou, e nao sofreu, e não amou, e nao sentiu saudades. Passou a vida toda se convencendo de q amar nao é prioridade. Passou a vida toda sem sofrer por nada, mas também nunca amou nada, não teve coragem de pensar se foi feliz.

Um dia lhe perguntei o que valia mais a pena, se era sofrer por algo que nao deu certo, ou sofrer por algo que nunca aconteceu. E ela me disse que nao sabia, que nenhuma das coisas havia acontecido com ela. Mas sabia que nos livros, as melhores partes eram aquelas em que a mocinha arriscava tudo.....

3 comentários:

  1. " E nao arriscou, e nao sofreu, e não amou, e nao sentiu saudades."

    Vida morna. Acho que a personagem, lá pelos 80 anos dela, se daria conta que teve uma vida entediante e aí se arrependeria do tempo perdido, mas já estaria tarde, bem tarde.

    Música triste, por favor.

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  2. Ai, né? Prefiro me apaixonar perdidsmente uma vez por semana, e chorar no chão da cozinha uma vez por semana, vc tá ligada...

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  3. eu prefiro equilibrio gente rs partir pra qualquer um desses extremos, de arriscar tudo ou nao arriscar nada...me dá medo!

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